
Um dia me surpreendi com uma história que ouvi de uma paciente muito especial que na sua aflição real me estendeu a mão pedindo ajuda e eu fui, a abracei e juntas eu reconheci que muito além do acolhimento que dei, por demais aprendi, por demais cresci escutando e ao lado daquela mulher tão forte amadureci.
Esta é a história de Dona Ana, hoje 72 anos vivendo numa casa simples numa cidade pequena de Minas e como um grande desafio da vida foi preciso recomeçar a viver a maternidade, viver as tarefas de ser uma mãe que ensina, que educa, que alimenta, que corrige e acima de tudo que encaminha iluminando mais uma estrada para aquela menina que não tinha mais ninguem além da avó, além daquela mulher que a recebeu nos braços quando ela nasceu e a abençoou chamando-a de neta.
Aquela mulher que já havia cumprido com esmero sua missão de procriar, educar, alimentar que agora apenas queria curtir, rir, brincar, seguir sem a necessidade de noites em claro, choros compulsivos, medos e temores do escuro ou apenas de um vento forte, que havia superado expectativas de uma missão tão abençoada que é a de ser mãe e aos 66 anos é pega de surpresa pela tragédia que abatia em sua vida, a morte repentina de sua filha e seu genro num trágico acidente de carro quando voltavam de um passeio tão esperado.
A notícia chegou pelo telefone e quando ouviu aquela voz desconhecida dizendo sobre o ocorrido seu coração pareceu sair pela boca, suas mãos quase não mais sustentavam o telefone e num suspiro sem fim ouviu: – “há uma criança que se salvou e nada sofreu, está aqui aos cuidados de nossa equipe”.
Dona Ana, ainda sem entender bem a realidade e o momento apenas respirou, perguntou, em que cidade, em que lugar estão? O que posso fazer e como posso resgatar minha família?
Patrícia, filha única de dona Ana foi muito desejada, sonhada durante 3 anos de casada e quando a esperança já não era mais algo acreditável a gravidez se consolidou, “estou grávida”! Uma mistura de euforia, medo e paz tão grande invadiu aquele coração daquela jovem esposa tão dedicada ao lar, a alegria invadia a sua vida como um tornado, arrancando os medos da impossibilidade de ser mãe e a dúvida de um futuro solitário.
Serei mãe!
Os cuidados começaram ainda nos primeiros dias da certeza daquele instante mágico, eram cuidados muito especiais tanto dela quanto de Sr. Pedro, ambos dedicados a uma gestação tranquila em que aquele bebe pudesse chegar saudável e cheio de amor.
“Naquele tempo ainda não era tão comum saber o sexo da criança, era uma surpresa e isto fazia com que a gestação fosse ainda mais abençoada porque o “tanto faz” trazia o alento que não importaria se fosse um menino ou uma menina, seria meu filho e seria amado e abençoado todos dias com o mais puro amor.”
Os meses se passaram, alguns perrengues naturais Dona Ana enfrentou e a hora do parto chegou, enxovalzinho pronto, o quartinho com o berço lindo e fofinho aguardava aquele corpinho abençoado chegar.
Parto normal, uma menina! 3 Quilos e 300 gramos olhinhos espertos, lábios vermelhos chorou forte dando boas vindas ao mundo… Estou aqui mamãe, você agora me carregará não apenas no seu ventre, mas nos teus braços e para a vida toda no seu coração…
Tudo corria bem, momentos inesperados Dona Ana também viveu, febres que pareciam queimar a alma, tosses sem fim, medos do escuro, e das sombras que invadiam as paredes do quarto de Patrícia e sempre Dona Ana e Sr. Pedro estavam ali, de braços abertos e coração em festa para acolher aquela filha tão amada, espantando os medos e a ensinando ser forte e corajosa.
Patrícia crescia saudável e inteligente, esperta na escola sempre foi uma menina educada, gentil, estudiosa e zelava pelo amor de seus pais até que com 14 anos uma tragédia abateu seu lar.
Seu pai faleceu, vítima de um homem sem escrúpulos que invadiu o canteiro de obras e atirou sem medida e uma das balas atingiu diretamente o coração daquele homem bom que para seu lar vivia.
A tristeza foi sem fim, o mundo parecia desabar sobre a cabeça de Dona Ana e de Patrícia, ambas tão amadas tinham naquele homem o exemplo de bondade, de sabedoria e força … e agora? Perguntou Dona Ana a si mesma.
Os tramites feitos, a dor consolidada, o funeral, as lágrimas e a tristeza tomavam conta daquela família que agora se resumia apenas nas duas, Dona Ana e Patrícia.
Dona Ana em sua granditude se fortaleceu de fé e de exemplos para sua filha que agora uma mocinha precisaria aprender mais esta lição, a vida tem que seguir e assim foi.
Dias e dias de lágrimas Dona Ana ainda chorou escondida em seu cantinho enquanto Patrícia na escola ou em outro lugar estava, “estas lágrimas são minhas, minha filha precisa sempre do meu abraço e da minha força”, e o tempo foi passando, os anos mostravam para as duas que a dor da perda se transformara a cada dia em saudade e de lembranças boas e momentos bons.
Patrícia crescia, estudou, se formou e uma linda jovem se tornou, Dona Ana nunca deixou nada faltar e mesmo nos dias mais abatidos o sorriso de mãe sempre estava presente e os abraços também.
Patrícia se casou com um jovem engenheiro, bem colocado no mercado o qual com seu carinho e amor por Patrícia a proporcionou uma vida tranquila e cheia de amor.
Patrícia nunca abandonou sua mãe, eram companheiras e amigas e por opção de Dona Ana em sua casa permaneceu depois que Patrícia se mudou, Dona Ana queria “seu cantinho”, estaria ali com suas lembranças e sua vida.
Como que numa saga, Patrícia também demorou engravidar, também 3 anos se passaram, a história se repetia até que em um belo instante “mamãe, estou grávida”!
Dona Ana a abraçou forte e num suspiro fundo abençoou novamente aquele ventre que agora carregava seu ou sua primeiro neto ou neta.
A gravidez de Patrícia não foi tão tranquila quanto de Dona Ana, momentos de tensão rondaram o lar de Patrícia e todos os cuidados foram tomados para que aquela gestação fosse uma benção, porém Patrícia também tomou uma decisão, “eu também não quero saber o sexo do meu bebe, assim como minha mãe em minha gestação eu quero a surpresa de ver meu neném nascer e somente assim saber”
Assim foi feito, os 9 meses passaram e a hora do parto chegou, é uma menina, Jorge diz com alegria, ele a pega nos braços e saúda a vida com a gratidão merecida.
Jorge passa Letícia para os braços de Patrícia e sussurra, “a levaremos para os braços de nossa Mãe Maria assim que ela completar 2 meses”.
Patrícia ainda entre o sono e a realidade sorri abraça agora sua filha e concorda com seu marido, “sim, a levaremos para os braços de nossa Mãe Maria aos 2 meses de vida”
A noticia foi dada a Dona Ana que aguardava ansiosa no corredor da maternidade, Jorge seu genro com Leticia no colo a apresenta a sua vovó que imediatamente a abençoou e num impulso de emoção chorou.
A chegada a casa foi uma festa, aquele quartinho tão bem preparado agora recebia a vida, recebia Leticia que seria a estrelinha daquele lar.
Dona Ana ali ficou por 1 mês, todos os dias acompanhando o progresso de Leticia e ajudando a Patrícia nos primeiros momentos, foi o porto seguro que abraçou os primeiros momentos daquela vida nova que se iniciava.
Durante este tempo Patrícia sempre comentava com sua mãe sobre a viagem que fariam aos 2 meses de Letícia como forma de gratidão à Mãe Maria e insistentemente queria a companhia de Dona Ana que tranquilamente dizia “não, não vou, desta vez não, será um momento de vocês três, a gratidão que tenho a cumprirei aqui, no meu cantinho esperando vocês voltarem”
E assim foi, chegou o dia da viagem, Leticia apenas com 2 meses de vida foi cuidadosamente acomodada em sua caminha no banco de traz e presa ao cinto de segurança fizera todo o trajeto sem ao menos chorar, resmungou algumas vezes porque estava com fome ou suas fraldas molhadas, contou Dona Ana ao relatar o acontecido.
“Minha filha me ligava a cada 3 horas quando paravam para amamentar ou trocar as fraudas, eu acompanhei a viagem em paz recebendo a todo momento noticias de um trajeto tranquilo”
Os 5 dias passaram depressa, fotos, registros de filmes, ligações de vídeo Dona Ana só não estava presente de corpo, mas a todo instante estava participando da viagem da família.
Era o dia de voltar, Patrícia disse para mãe que na volta não ligaria tanto, que voltariam direto e quando chegassem iriam direto para sua casa, a casa de Dona Ana para conta-la mais detalhes.
Assim foi, “Mãe, estamos saindo, logo, logo chegaremos aí.”
O dia foi passando Dona Ana uma bela mesa preparou, o bercinho de Letícia já estava ali, fofinho a aguardando, fora de sua mãe Patrícia em que o vovô Pedro comprou com tanto carinho.
Estava ficando tarde, Dona Ana começou a se preocupar, ligou para Patrícia o telefone não atendeu, “ela deve ter dormido” pensou.
O fim da tarde estava caindo, a noite começou a invadir quando o telefone tocou…
Dona Ana, mais uma vez desmoronou, desligou o telefone anotando o endereço com letras tortas e borradas das lágrimas chorou compulsivamente sobre a mesinha, colocou as mãos para o alto e gritou pedindo forças a Deus e está força como um milagre a abraçou.
Ela lentamente se levantou caminhou até a casa do seu vizinho e o chamou, eram 19 horas e o tempo fazia o tempo correr, ela precisava ali chegar.
Entre lágrimas e ponderancia eles foram até aquele lugar e imediatamente ao chegarem Dona Ana nos braços acalentou Leticia, a abraçou com garra de uma mãe e afago de uma avó que de aquele minuto até a vida inteira seria responsável por aquela criatura frágil que acabará de receber as bençãos da Mãe Maria.
A vida estava novamente a testando, fazendo-a recomeçar, fazendo-a ser novamente provedora não apenas da sobrevivência da fome, mas também do afeto, do afago, da educação e do amor.
Os dias foram árduos, a dor era imbatível, muita dor, mas Dona Ana olhava sua pequena Leticia e se fortalecia de amor. As lembranças vinham em sua mente a todo instante, choros, medos, pequenas mãozinhas que a seguravam sentido o colo que acolhia.
E o tempo outra vez passou, Leticia crescia forte, era linda, esperta, faladeira e muito sorridente, parecia que a vida a tinha ensinado muito além da dor de perder a mãe, mas a alegria de ter uma avó tão mãe.
Dona Ana reorganizou toda sua rotina, agora era escolinha, ensinamentos, correções, rizadas no parquinho, reuniões na escola e festinhas. Novamente roupinhas no varal e sapatinhos pequenos espalhados daqui pra li.
Era Leticia quem ensinava a sua avó a força da vida apesar da dor, era Leticia quem em sua inocência ensinava a sua avó a grandeza do amor. Leticia deu vida a vida de Dona Ana.
E Dona Ana respirando fundo a cada amanhecer mesmo com menos juventude, mesmo com algumas dificuldades naturais nunca de deixou abater, fingia-se de forte o dia todo para dar fortaleza a aquela criança que a vida lhe presenteou.
Viam fotos da mamãe Patrícia quando pequena, riam dos cabelos encaracolados e emaranhados da mamãe, choravam juntas também de saudade num sentimento que Leticia não conhecia por estar ainda tão bebe, mas que na dor de sua avó embalava também seus sentimentos.
Hoje, Dona Ana voltou a ser mãe, novamente a vida lhe exigiu deveres que por algum tempo ela havia deixado para trás, hoje eram lanches na lancheira, bolinhos de chuva, brincadeiras de casinha, ensinamentos sem fim…
“A primeira vez que a vi pedalar sua bicicleta, a bicicleta que guardei da Patrícia, eu senti o tempo voltar, vi e ouvi outra vez minha filha gritar, “CONSEGUI MAMÃE, CONSEGUI”, a sena se repetiu, “CONSEGUI VOVÓ, CONSEGUI” …
“Meu coração partiu de dor, mas meus lábios sorriram de canto a canto e palmas eu bati alegrando ainda mais a vitória de Leticia.”
Hoje Leticia tem 6 anos, Dona Ana 72, ela sabe que a jornada apenas está começando, ainda anos e anos ela terá que se superar, anos e anos ela ainda terá que encaminhar, educar, alimentar, abraçar, acolher, cantar e a fazer adormecer, porém ela também sabe que o amor sempre, sempre será o pilar daquele lar e que se depender desse amor ela estará ao lado de Letícia por muito anos ainda e que seu apoio de Mãe nunca faltará à aquela menina doce que hoje a chama de mamãe vovó.
Pense nisso!
Gilwanya Ferreira
CRP 04/42417
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