
Debruçada numa janela, numa janela qualquer em um lugar ali, naquele mundo de vai e vem eu comecei a olhar a vida passar e olhando atenta eu percebi o quanto todos correm de lá para cá sem saber aonde parar.
Que vida louca pensei eu, as pessoas envolvidas em seus celulares, nos seus pensamentos, nos seus medos nem olham mais uma para as outras. Não se enxergam, não percebem onde passam e nem quem passa, apenas seguem e como que programadas desenvolvem um caminho e apenas chegam lá.
Outras morrendo de pavor, abraçam seus pertences, olham atentas os perigos que podem surgir, cerram o semblante e seguem assustadas seus caminhos também para apenas chegar.
Eu parei, parei diante daquela cena que contemplava e meu interior começou gritar, gritou tão alto que eu pude escutar e naquele instante, ali, ali parada começou uma grande batalha dentro de mim, era eu contra meu cotidiano, era eu contra meu próprio conflito.
Era algo tão forte que me sacudiu como um terremoto e me fez pensar:
– Eu não fujo muito àquela realidade que eu observava, não, a minha realidade não era tão diferente assim.
De verdade eu não havia percebido, eu também ando de lá pra cá neste mesmo vai e vem seguindo o fluxo do foco que preciso alcançar, mas…
Será que realmente eu preciso ser assim? Eu me perguntei várias vezes ao escrutinar tão atenta o que ali se passava e então aquele momento se tornou uma tortura, meus pensamentos queimavam minha cabeça com um incendiar de ideias, como um vulcão me fiz pensar…
– Ainda preciso correr?
Tenho 66 anos e sempre fui alguém que correu buscando oportunidades, lugares que me acolhiam para que eu pudesse correr ainda mais, eu precisava, estava jovem, buscava uma estabilidade financeira, buscava um amor, buscava a realização de sonhos meus e também em alguns episódios sonhos que nem meus eram, eu precisava correr… E para que hoje correr?
Por que não sair apenas para observar?
Neste momento envolta em meus devaneios lembre-me de um episódio de quando eu era muito menina, uns 10/11 anos…
Minha avó materna me convidou a ir com ela passear acho que para um “retiro espiritual” numa cidadezinha do interior de Minas, era um evento de um dia só, um dia inteiro para rezar e eu fui.
Lá, depois de algumas horas “rezando” eu disse baixinho: – Vovó, vou sentar na porta deste lugar e esperar o tempo passar…
Eu era uma criança uma criança que sentada ali apenas queria observar e observando as pessoas eu vi tantas andando de bicicleta, outras andando a pé, outras sentadas na porta de suas casas, era domingo, eu lembro, havia uma sorveteria em frente e eu olhava atenta as crianças correndo de um lado para outro, gritando e sorrindo alegres, sem nada pensar.
Não havia celulares, as mães, os pais, todos estavam ali conversando divertidamente e eu de repente comecei caminhar, andando atenta para não muito me afastar eu olhava lá no fundo daquelas janelas que eu via abertas para a calçada daquele lugar, olhava o interior daquelas casas e até hoje me lembro dos meus pensamentos voarem longe pensando como eram as pessoas que ali viviam…
Curiosidade? Até pode ser, mas não a curiosidade maldosa que hoje envolve o universo. Aquelas janelas estavam escancaradas sem grades, as portas sem tranca esperando alguém entrar para apenas prosear ou um abraço dar ou ganhar.
A vida era calma, os domingos eram para descansar, visitar, namorar, rir, brincar, orar, louvar…
E eu nos meus pensamentos e lembranças viajei neste infinito tão puro, fui além da minha própria imaginação, comecei a me enxergar em outro lugar…
Meu corpo estava ali debruçado naquela janela naquele mundo de caos e meus pensamentos estavam me levando a outro lugar e então percebi que preciso mudar é hora de começar de novo viver dentro de mim, buscar na minha essência a minha existência plena, o lugar que eu quero morar.
Eu quero deixar minhas janelas abertas e minha porta entreaberta, quero o sol entrando invadindo meu ser como era daquela menina que caminhava atenta a observar cada detalhe e que sem imaginar hoje viria se lembrar.
Quer novamente viver, viver dentro de mim e me reencontrar, eu quero recuperar-me do meu corre-corre e minha agenda rasgar.
Preciso viver!
Limpar minhas gavetas, rasgar aquilo que não mais me vale, preciso andar dentro de mim livre, preciso me soltar para novamente viver.
Não quero mais correr, não preciso mais, quero abrir a janela e o sol ou a chuva contemplar…
Quero pisar descalçada e sentir a textura do chão.
Quero aproveitar minha varanda e nela sentar para descansar, ver os pássaros voar, nada mais.
Quero andar na chuva e não ter medo de molhar, quero novamente me habitar.
Preciso mudar, urgentemente voltar a morar dentro de mim e novos sabores saborear, é urgente ressignificar.
Eu preciso. E eu posso imaginar que muitos dos que estão lendo esta história também precisa mudar, precisa voltar a habitar o seu mais profundo interior viver!
Lá atrás Vander Lee também escreveu em sua canção:
“Sabe o que mais quero agora meu amor?
Morar no interior do meu interior
Pra entender por que as as pessoas se agridem,
Se empurram pro abismo
Se debatem, se combatem, sem saber…”
Nesta canção o verdadeiro sentido creio eu era também a necessidade de um novo lugar…
Portanto, pensem, se voltem para dentro de cada um de vocês e reconstruam suas vidas… se reformulem, recomponham assim como eu estou fazendo porque de uma hora para outra no seu lugar você também estará.
Pense nisso.
Gilwanya Ferreira
CRP 04/42417